Ganhou destaque na mídia durante toda a semana passada a sucessão de prisões em São Paulo de homens que vinham abusando sexualmente de mulheres nos transportes públicos da cidade. Chamados de “encoxadores”, essas pessoas se aproveitam das lotações típicas do horário de pico dos metrôs e ônibus para satisfazer sua lascívia esfregando-se no corpo de mulheres sem, obviamente, qualquer consentimento delas.
Já é triste saber que isso não é uma prática recente. Há algum tempo vemos denúncias de mulheres que foram vítimas desses crimes, o que levou até mesmo à propositura de projetos de leis locais para a criação de vagões exclusivos para mulheres. Mais triste ainda é saber que isso ainda acontece e, pior, virou uma espécie de “moda”, com direito até a página no Facebook onde tais “encoxadores” publicam vídeos de seus atos criminosos. De outro lado, uma luz no fim do túnel: as mulheres vêm criando coragem e pedindo socorro no momento em que estão sendo abusadas. Isso permite prisões em flagrante e cria até um sentimento de ajuda mútua – diversos maníacos foram cercados e apanharam dos outros passageiros (uma conduta que também não é correta, mas dá para entender o sentimento de revolta social…).
A luz, contudo, parece esvanecer. Uma pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), divulgada há poucos dias, demonstrou que 65% dos entrevistados concordam com a afirmação: “mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas” e que 68% concordam que “se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros”.
Ora, direis, certamente os entrevistados são, em sua maioria, homens. Não. Foram mais de 3.800 entrevistados, sendo dois terços mulheres. A pesquisa é de junho de 2013.
Isso comprova que o machismo é algo extremamente enraizado em nossa sociedade, que sempre oprimiu as mulheres e as colocou em posição de subjugo, a ponto de fazê-las acreditar que não têm o direito de se vestirem ou de se comportarem como bem entenderem sem serem vítimas de pessoas portadoras de distúrbios sexuais. Em paralelo, pessoas portadoras de distúrbios sexuais, que, em seu universo particular, acreditam que podem violentar uma mulher pelo simples fato dela estar vestida de tal ou qual forma, são tratados como “pobres coitados que não conseguem conter seus impulsos totalmente naturais”.
Sim, o sexo é um ato natural e fundado no instinto de perpetuação da espécie. Como também o são o instinto de matar a fome e a competitividade. Aprendemos desde cedo, por isso, que roubar ou furtar é errado e que não devemos “puxar o tapete” dos outros para subirmos na vida – atos que seriam “naturais” e “instintivos”. A educação serve justamente para controlar os nossos instintos. Por que o instinto sexual ficaria de fora desses limites?
A evolução, é certo, há de ter servido para alguma coisa. Não é admissível o argumento de que o “homem não consegue se controlar”, porque senão estaremos abrindo as portas da barbárie e permitindo a prática de quaisquer atos instintivos, como brigar e matar, e soterrando todo o esforço civilizatório dos últimos séculos. Todavia, o caminho fica muito mais difícil quando as próprias pessoas, principalmente as vítimas, acreditam que são culpadas pelo que sofreram. A revolução, nesse caso, deve partir de dentro.